O lema “Ordem e Progresso” tem significado “ordem” para os de baixo e “progresso” para os de cima. Por isso, é preciso ter cuidado ao implantar a chamada “ordem urbana”. Toda cidade precisa de regras coletivas que permitam convivência. Mas entender que “ordem” é só retirar mendigos e camelôs das calçadas é tratar de maneira superficial problemas que são estruturais. E, de certa forma, “enxugar gelo”, pois os fatores que produzem moradores de rua e trabalhadores ambulantes – que são pessoas e não coisas! – não acabarão.Quem mora na rua não está ali por gosto: chegou a essa degradação em função da falta de oportunidade de estudo e trabalho, por desajustes familiares ou foi expulso, por algum poder despótico, do lugar onde vivia. Quem fica de sol a sol vendendo mercadorias não tem entusiasmo especial por este incerto ganha-pão. Preferiria a tranqüilidade de uma carteira assinada. Há raízes sociais que provocam essa “desordem”. Só um programa articulado com políticas sociais poderá reduzir, progressivamente, o drama da população vivendo nas ruas. Casas da acolhida, educação integral, recuperação dos laços familiares, atendimento continuado de saúde são fundamentais.Só o desenvolvimento econômico equilibrado, com investimento em cursos profissionalizantes e abertura de postos de trabalho, reduzirá o comércio ilegal. Sua legalização, em mercados populares, sem contrabando, alternativos ao monopólio dos shoppings, é o caminho. Desde 1992 há uma lei, jamais aplicada, que disciplina o comércio ambulante no Rio.Por fim, que se ataque a “desordem” dos poderosos, que avançam sobre calçadas, corrompem os agentes públicos e consideram que a cidade é só deles.
Chico Alencar - deputado federal e professor de História